Nasci inquieta e desejante, autónoma para aprender e desaprender. Curiosa aventureira, comunicadora convicta.
Criadora entusiasta de pensamentos, ideias e projectos. Arquitecta. Devota obstinada da beleza e do humor imprevisiveis.





24.7.15


" A última das tecedeiras

Olhar expressivo, sorriso cativante, mãos calosas e hábeis e de avental à cinta, é assim a Dona Elvira, uma senhora de 74 anos, que interpreta o tear como Fernando Pessoa "o comboio de corda".

Dona Elvira nasceu em Riodades, concelho de São João da Pesqueira. Ainda catraia aprende as lides do campo com os pais, que se tornaram caseiros numa quinta em Castaínco. Desde aí nunca mais perde a ligação ao campo, aos animais e ao linho que, naquela aldeia, contribuía para o sustento de muitos. A par do campo e da paixão ao linho, esta tecedeira de alma cheia teve quatro filhos e é com orgulho que nos fala deles e da herança apaixonada à linhaça e ao produto final que conseguiu incutir a uma das filhas.
Para conversarmos com ela, temos de a avisar, pois é uma formiga do trabalho. Os terrenos e os animais ocupam-lhe grande parte dos dias... mas em casa fica o seu passatempo preferido... o tear.
É a última das tecedeiras, numa terra que, como poucas, homenageou com a pedra que a caracteriza, o trabalho único e ímpar das mulheres que sabiam enfiar o tear, construir a teia e tecer o farrapo, os tapetes e o linho...
Na casinha de pedra, em Castaínço, onde tem os dois teares, a Dona Elvira ganha vida e uma luz no olhar. Desembaraça-se com mestria entre as traves e explica com facilidade a complexidade de fios de algodão enlaçados e entrelaçados com paciência e sabedoria, uma verdadeira teia. Do tapete ao farrapo ao tapete de lã, a Dona Elvira explica como se fazem os feitios, as estratégias que arranja quando se engana, as marcas que utiliza para começar ou acabar um desenho mais elaborado e o manejar das traves é acompanhado com os pedais...
Conversar com esta senhora é um reaprender a vida... impressiona a capacidade que tem de aprender, a vontade de fazer, de refazer, de perguntar, de conhecer... Admirou-nos a enorme simplicidade com que, depois de comprar um pano de linho, a Dona Elvira tentou compreender as voltas e envoltas dos nós, que marcou com linhas vermelhas. Mostrou-nos a linhaça e contou-nos, com paciência, todas as etapas porque passa o linho que vai semear em breve. Fala-nos da flor do linho como de um filho se tratasse e os novelos espalhados pela casa denunciam a paixão que esta senhora tem pela arte do linho e do tear.
Desvalorizou as peças que nos mostrou, embora elas sejam a prova da beleza e da rusticidade de um material de que a industrialização tem sabido tirar partido, embora com muito menos qualidade de que aquele semeado, tratado e tecido fio por fio pela Dona Elvira... A cor, a textura e o tratamento dessas peças são incalculáveis, como a sabedoria e alegria desta senhora."

Tropeçar acidentalmente nisto.
Ler, sorrir e lembrar-me do quanto gosto dela. E das vezes que, naqueles plácidos veröes que já näo se fabricaräo nunca mais e com um mundo de paciência, acedia a ensinar-nos como tecer. E do linho, daquele linho cru que nascia das suas mäos.
Ver o meu dia encher-se repentinamente de ternura e lembrar-me do peso das saudades que tenho.
Perceber agora, daqui de täo longe, que o tempo está gentilmente a fazer-me mais parecida com ela.
Ficar muito orgulhosa disso.
E dela.
Da minha avó.

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