Nasci inquieta e desejante, autónoma para aprender e desaprender. Curiosa aventureira, comunicadora convicta.
Criadora entusiasta de pensamentos, ideias e projectos. Arquitecta. Devota obstinada da beleza e do humor imprevisiveis.





8.1.15




Nove horas. Para variar tenho o vidro do carro cheio de gelo. Faz frio mas está sol. Perdão, os vidros. Sou do sul e nunca me habituarei a estas rotinas.Vou chegar atrasada. Porra! Vou buscar àgua. Espero. Acabo por vencer o gelo.
Arranco. Tarde demais estaciono. Eis que levanto o olhar e derreto perante a paisagem. 

Sincelo!

Abre parêntesis - permitam-me fazer aqui um parêntesis- sincelo não são só pedaços de gelo suspensos nos beirais dos telhados ou nas árvore.  Não é só aquele rótulo que põem na terra dos meus avós: "a terra do sincelo...". O Sincelo é uma figura mítica de todo o meu crescimento. A par das figuras da Disney, desses colossos do imaginário infantil, com quem raramente tive o prazer de conviver. Sempre soube que existiam, que toda a gente que os via os venerava. Sabiam-nos de cor. Eu mesma, sem nunca ter com eles privado, arriscava-me a contar das suas histórias. Caudas de sereia em leões, monstros que beijavam princesas adormecidas ou pinóquios em tapetes voadores. Tudo trocado, é certo. Mas eu sabia deles e o fascínio era óbvio. Contudo nunca me havia permitido a conhecer a sua história de fio a pavio. As brincadeiras na rua chamavam-me sempre mais alto.
- Oh Joana, e o sincelo!?
- Pois, o sincelo!
Cresci a ouvir a minha mãe contar-me, com os olhos brilhantes e o pensamento perdido lá longe, histórias de cada vez que havia sincelo na aldeia.
- É raro, mas lá em cima, às vezes via-se. É lindo, Joana. As plantas ficam cobertas de gelo...
- Ah já sei! Já vi a relva muitas vezes assim.
- Não. Quando faz muito frio e há muito nevoeiro, cada flor, cada galho da árvore, do maior ao mais pequenino, até cada fio da teia da aranha ficam em gelo. É como se de repente, tudo se transformasse num grande coral branco e gelado.
O sincelo sempre povoou o meu imaginário. Tantos anos depois, que era isso que, só de se pensar nele, acendia aquele olhar maravilhado da minha mãe? Eu sabia dele. Ouvia histórias que me encantavam. Mas nunca o tinha visto. Fecha parêntesis.

Saí do carro. E com o mesmo encantamento com que as crianças vêm as figuras da Disney, com o brilho nos olhos e o pensamento perdido lá longe com que a minha mãe me falava dele, sorri. Fui ver de perto. Garantir que não era igual a nada que tivesse visto. Sorri outra vez. A minha mãe tinha razão. É mesmo lindo! Pergunto-me incrédula "Como é possível ainda não ter derretido, tão a sul, com tanto sol, já tão tarde...?"
Já são nove e meia. Estou atrasada.

(Subo. Escrevo isto antes de mais nada. Olho pela janela o nevoeiro que acabou de cair. De imediato cruzo os dedos, na esperança que o sincelo se regresse, e que os sorrisos de hoje se repitam outra vez amanhã.) 

1 comentário:

Anónimo disse...

Repete-se o deslumbramento , vai ver!!!